sexta-feira, 20 de junho de 2014

De bate pronto

Quem foi melhor,
pergunta o televisor,
Raí ou Sócrates?

Talvez Aristóteles
pudesse resolver
o problema desse poema
caroço
entalado em minha garganta.

Será que ele teria a resposta?
De bate pronto, eu não tenho,
então me sento de costas,
mas finjo que me entretenho
para não chamar atenção.

A questão é que todo almoço
é o mesmo alvoroço
em qualquer restaurante que se preze,
não há um dia que reveze
e não adianta se esquivar.

Tentei inúmeras vezes
e por mais que eu me enfeze,
a pergunta ainda fica no ar:
Quem é o melhor,
Messi ou Neymar?

Se digo que não sei,
sou chamado de gay,
se digo que não me importa
dizem que não sou patriota.

E realmente não sou,
mas me faço de idiota,
fisgado pelo anzol,
fico ruminando em bemol
essa importante questão.

Querem minha opinião
ou minha alienação?

Segundos depois
 uma nova preocupação:
prefere qual seleção,
a de 70 ou de 82?

Prefiro um pouco de arroz
e uma porção de batata,
mas sinto que essa dúvida consome
mais até do que a fome
que mata
os que morrem de frio.

E assim é em todo Brasil,
faça chuva, faça sol,
a realidade de nossas vidas,
inexoravelmente é esquecida
em debates sobre partidas de futebol.

Comentários baratos
norteiam programas machistas
onde ex-jogadores e comentaristas
se mostram especialistas em boatos  
e polêmicas moralistas
que escondem a realidade
e impedem que a verdade
saia de vez do armário.

Eles tem o poder,
jogam sem adversários,
mas tudo que querem saber
é quem foi melhor:
Ronaldo ou Romário?

Difícil responder
a essa questão acadêmica
e profunda.

Enquanto isso,
a propaganda endêmica
toma o lugar da redonda,
que vira piada
daquelas bem engraçadas,
para quem está do lado de lá da tela.

Do lado de cá, na goela
um teco de carne de segunda
passada
com suco de arroz e feijão
descem como um riacho seco
garganta abaixo
para morrer no vão do estomago,
âmago de todo problema.

Esse sistema digere
nosso poder de contestar
fazendo-nos inverter
o que deveríamos priorizar.

Quem é capaz de enxergar
e romper a aliança
com seu time que acaba de ganhar
e assumir a liderança?

Sumiram com a minha esperança
naquela paixão nacional
incutida, em mim, na infância
como herança patriarcal.

Todo o amor que eu tinha
passou a enxergar bem
e notou que dentro das quatro linhas
ninguém mais enfrenta ninguém.

São todos do mesmo time,
no mesmo crime
da bola,
orquestrado pelos cartolas.

Vestem o manto da elite
e querem que a gente acredite
torcer para o maior do planeta,
(e outras mentiras mais),
e assim vendem suas camisetas
cm logomarcas do capeta
por apenas 200 reais.

O sonho do jogador
desse futebol moderno 
não é mais com a seleção.  
Desejam vestir um terno 
e trabalhar na televisão.

Enquanto no Brasileirão,
jogam de olho na Europa,
afinal, de lá sairão
nossos representantes na Copa.

Como num filme repetido
esse produto divertido
nos mantém entretidos
nos mesmos debates batidos,
desde a TV sem cor.

Mas poderia ser pior,
apesar de estarmos na lona,
não considero um mal resultado
vivendo sob o reinado
de Pelé e do Maradona.

Um dia a verdade vem à tona,
até lá, seguimos na zona
contabilizando vexames,
assistindo programas infames
e discutindo quem foi melhor:
Zico ou Zidane?

Eu e você que se dane!

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