quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Sem coragem

Um trabalhador comprou uns poemas meus,
disse serem valiosos bens
e me deu parabéns pela força e coragem,
por acreditar em sonhos e viver de miragens.

Eu o olhei no fundo dos olhos
e me enxerguei
costurando retalhos
dos tempos de assalariado,
do trânsito no ônibus lotado,
do patrão sem compromisso, 
da grana de cana que não caia no dia, 
da falta de benefícios, 
do estresse e seus malefícios
(bursite, gastrite, calvície, tendinite),
do almoço, sempre engolido,
do sono mal dormido,
dos sorrisos amarelados
do medo de chegar atrasado e o chefe, desconfiado,
ligar para confirmar se eu já tinha chegado.

Ficar desempregado,
 não conseguir me recompor
ser esquecido pelo mercado
aceitar um cargo inferior
com um salário menor
sem nada na CLT, cair no SPC,
se perceber um Zé
em meio a tantos santos
que vivem de testar sua fé.

Mancos, escorados em bancos
desde outros tempos,
que contento aceleram na ré
(afundam o pé)
e o combustível dessa correria?
Café, café, café, 
café, café, café.

Era como eu vivia,
e no melhor dos dias,
declamando poesia ou cantando,
voltava pra casa andando,
com o bilhete mais um vez
esgotado antes do fim do mês...

Então, sem nenhuma altivez,
agradeci minha realidade,
abri um sorriso
e de um jeito amistoso
lhe confessei a verdade:
Sem maldade,
já fui bem mais corajoso!

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