terça-feira, 21 de maio de 2013

Imóvel



Devo... lhe dizer “bom dia!” 
- pensa Ricardo, 
quando o sol o acorda, 
entrando em seu son(h)o 
sem nem perguntar se pode. 

A manhã o invade 
com cheiro de café e 
fumaça de cigarro. 
Liga o rádio 
o mundo é o mesmo, 
com todos seus defeitos. 
Uns passando fome 
e outros passando ileso. 

Se tranca no banheiro, 
hábito rotineiro. 
Lê o jornal, 
se sente um cocô, 
comendo qualquer bosta, 
engolindo um monte de merda 
pela qual ele pagou. 

Gosta de Chico, 
do amor e das coisas boas 
que acredita existir. 
Ouve de tudo um pouco 
e fala mal do que quer. 
Tem manias toscas, 
histórias engraçadas 
e poesias escondidas. 

Na demora do elevador, 
prefere a escada. 
Nem se importa com a câmera 
e logo acende um baseado. 
Dá seu primeiro trago, 
sente-se fraco, 
ri de si, 
fica lesado, 
continua a seguir. 

Condução lotada, 
no busão vai enlatado, 
já é acostumado, 
carregar este fardo. 
No trem é ainda pior, 
feito burro de carga, 
segue junto a manada, 
brigando por espaço, 
correndo por uma vaga, 
empurrando pra entrar, 
lutando pra sair. 

Chega no trampo atrasado, 
bate o ponto, contando 
minuto pro almoço. 
Vai na padaria da esquina, 
paquera a balconista, 
a moça de vestido florido, 
a sentada na praça 
e a colega de fumódromo. 

Volta pro batente, 
não se sabe se máquina 
ou gente. 
Cálculos e gráficos, 
são números e clientes. 
Odeia o chefe, 
o salário e sua cadeira, 
tão dura quanto sua cesta básica. 

Aproveita o computador 
para falar com os amigos 
e baixar arquivos. 
Escreve algumas coisas 
sobre o todo do mundo 
e também do nada 
de tantas pessoas. 

Não aceita a desigualdade, 
que o separa da copeira 
e a indiferença dos outros. 
O descaso com a educação 
e o abandono do sistema. 
Se assusta com a maldade 
dos homens, 
o comodismo de alguns 
e a descrença de muitos. 

Fala sobre o que o incomoda 
e o que o comove, 
sabe que não tem solução pra tudo, 
não espera mudar o mundo, 
mas se sente mais leve.

Depois do expediente, 
para no boteco do lado, 
pede uma gelada, 
joga conversa fora, 
dá umas risadas e vai pra casa. 

Assiste tevê, 
faz qualquer coisa pra comer. 
Toma um banho e vai se deitar. 
Então, se sente um inútil, 
ao perceber, que apesar de tudo, 
ele mesmo, 
não saiu do lugar.

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