Devo... lhe dizer “bom dia!”
- pensa Ricardo,
quando o sol o acorda,
entrando em seu son(h)o
sem nem perguntar se pode.
A manhã o invade
com cheiro de café e
fumaça de cigarro.
Liga o rádio
o mundo é o mesmo,
com todos seus defeitos.
Uns passando fome
e outros passando ileso.
Se tranca no banheiro,
hábito rotineiro.
Lê o jornal,
se sente um cocô,
comendo qualquer bosta,
engolindo um monte de merda
pela qual ele pagou.
Gosta de Chico,
do amor e das coisas boas
que acredita existir.
Ouve de tudo um pouco
e fala mal do que quer.
Tem manias toscas,
histórias engraçadas
e poesias escondidas.
Na demora do elevador,
prefere a escada.
Nem se importa com a câmera
e logo acende um baseado.
Dá seu primeiro trago,
sente-se fraco,
ri de si,
fica lesado,
continua a seguir.
Condução lotada,
no busão vai enlatado,
já é acostumado,
carregar este fardo.
No trem é ainda pior,
feito burro de carga,
segue junto a manada,
brigando por espaço,
correndo por uma vaga,
empurrando pra entrar,
lutando pra sair.
Chega no trampo atrasado,
bate o ponto, contando
minuto pro almoço.
Vai na padaria da esquina,
paquera a balconista,
a moça de vestido florido,
a sentada na praça
e a colega de fumódromo.
Volta pro batente,
não se sabe se máquina
ou gente.
Cálculos e gráficos,
são números e clientes.
Odeia o chefe,
o salário e sua cadeira,
tão dura quanto sua cesta básica.
Aproveita o computador
para falar com os amigos
e baixar arquivos.
Escreve algumas coisas
sobre o todo do mundo
e também do nada
de tantas pessoas.
Não aceita a desigualdade,
que o separa da copeira
e a indiferença dos outros.
O descaso com a educação
e o abandono do sistema.
Se assusta com a maldade
dos homens,
o comodismo de alguns
e a descrença de muitos.
Fala sobre o que o incomoda
e o que o comove,
sabe que não tem solução pra tudo,
não espera mudar o mundo,
mas se sente mais leve.
Depois do expediente,
para no boteco do lado,
pede uma gelada,
joga conversa fora,
dá umas risadas e vai pra casa.
Assiste tevê,
faz qualquer coisa pra comer.
Toma um banho e vai se deitar.
Então, se sente um inútil,
ao perceber, que apesar de tudo,
ele mesmo,
não saiu do lugar.
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